A fiel trabalhava como contadora. Em 2003, recebeu uma grande quantia em pagamento de um trabalho. Um pastor da IURD a teria então pressionado para que fizesse um sacrifício “em favor de Deus”. A insistência do pastor incluía ligações e visitas à sua residência.
Segundo alegou, estava em processo de separação judicial, atordoada e frágil. Diante da pressão, teria feito a doação de mais de R$ 74 mil, em duas parcelas. Depois disso, o pastor teria sumido da igreja, sem dar satisfações. A IURD afirmava não saber do ocorrido nem ter como ajudá-la. Em 2010, a contadora ingressou com ação para declarar nula a doação.
Ela alegou que, após a doação, passou a sofrer de depressão, perdeu o emprego e ficou em crescente miséria. Testemunhas apontaram que chegou a passar fome, por falta de dinheiro.
Ato de fé
Para a IURD, atos de doação como esse estão apoiados na liturgia da igreja, baseada em tradição bíblica. Disse que a Bíblia prevê oferendas a Deus, em inúmeras passagens.
A defesa da IURD destacou a história da viúva pobre, em que a Bíblia afirmaria ser muito mais significativo o ato de fé de quem faz uma doação tirando do próprio sustento.
Assim, a doação da contadora não poderia ser desvinculada do contexto religioso. A IURD apontou ainda a impossibilidade de interferência estatal na liberdade de crença, sustentando que o estado não poderia criar embaraços ao culto religioso.
Além disso, a fiel teria capacidade de reflexão e discernimento suficiente para avaliar as vantagens de frequentar a igreja e fazer doações.
Subsistência
Para o TJDF, as doações comprometeram o sustento da ex-fiel. Entendeu que o ato violava o artigo 548 do Código Civil, que afirma ser nula a doação de todos os bens sem reserva de parte ou de renda suficiente para a subsistência do doador.
O TJDF apontou ainda que o negócio jurídico nulo não pode ser confirmado nem convalesce com o decurso do tempo. Por isso, não se fala em decadência no caso.
O tribunal também afastou a análise do caso sob o ponto de vista do vício de consentimento, já que se discutia a questão da doação universal de bens.
Declínio
Sob essa perspectiva, as testemunhas apontaram que o padrão de vida da contadora foi progressivamente reduzido diante das campanhas de doação. A insistência do pastor teria impedido que ela realizasse seus planos de investimento do dinheiro recebido, entre eles a aquisição de um imóvel.
Além disso, o TJDF entendeu que, sendo profissional autônoma, ela não poderia contar com remuneração regular, e o valor doado constituiria reserva capaz de ser consumida ao longo de anos na sua manutenção.
“Dos autos se extrai um declínio completo da condição da autora, a partir das doações que realizou em favor da ré, com destaque para a última, que a conduziu à derrocada, haja vista que da condição de profissional produtiva, possuidora de renda e bens, passou ao estado de desempregada, endividada e destituída da propriedade de bem imóvel”, afirma a decisão do TJDF.
O tribunal observou ainda que “todo o quadro de ruína econômica em que se inseriu abalou seu estado de ânimo, havendo, ao que consta, até mesmo sido afetada por depressão, que mais ainda dificultou a reconstrução de sua vida”.
Revisão de provas
No STJ, a IURD pretendia demonstrar que o ato da contadora não constituía doação universal, já que ela havia mantido um imóvel, carro e parte da renda obtida com o trabalho.
Mas, para o ministro Sidnei Beneti, a análise da pretensão recursal da Igreja Universal exigiria o reexame de provas do processo, o que é vedado em recurso especial. Por isso, o relator negou provimento ao agravo da igreja, o que mantém a decisão do TJDF.
FONTE: STJ
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